A novela mexicana continua. Dum lado, a Microsoft tenta assegurar a competição que Call of Duty não se tornará exclusivo Xbox. Do outro, a Sony é a única entidade da indústria que demonstra preocupações com a aquisição.
A posição da última gera cada vez mais comentários online, com a esmagadora maioria dos internautas a acusar a empresa Japonesa de padrões duplos.
Parte das preocupações da Sony incluem a prática de estratégias agressivas de exclusividade de títulos, algo que a mesma tem vindo a fazer nos últimos anos, sem demonstrar intenções de abrandar. Neste processo, a Microsoft já revelou que a Sony paga para impedir jogos de entrarem no Xbox Game Pass, por exemplo. É também do conhecimento geral que diversos títulos 3rd party acabam por nunca chegar às consolas Xbox (ou Nintendo), sendo os mais recentes “Final Fantasy XVI” e “Forspoken”, ambos da Square Enix, ou até mesmo o remake de “Silent Hill 2”.
Aliás, a Sony não é estranha a conteúdo exclusivo de Call of Duty, já que tem sido parceira da Activision por longos anos. Durante este tempo ofereceu não só cosméticos, como mapas e modos de jogo exclusivos. No mais recente documento, a empresa descreveu este conteúdo como “insubstituível”.
EXCLUSIVOS NÃO SÃO ESTRANHOS À SONY
No mais recente documento publicado em comentário ao processo da CMA, os donos da PlayStation demonstram a sua preocupação, declarando que a aquisição seria prejudicial para a indústria. Afirmam, por exemplo, que a Microsoft poderá facilmente impedir que os jogos da franquia cheguem aos serviços PlayStation Plus, ou às consolas PlayStation.
Os consumidores seriam prejudicados. Em curto prazo, os utilizadores PlayStation não teriam mais acesso ao Call of Duty ou seriam forçados a gastar £450 numa Xbox equivalente para jogar este jogo altamente popular num dispositivo menos preferido. (…) Confrontados com competição mais fraca, a Microsoft poderia: aumentar os preços das consolas e jogos para utilizadores Xbox (incluindo aqueles que mudaram da PlayStation); aumentar o preço do Game Pass; e reduzir a inovação e qualidade.
Resposta da Sony à decisão da Fase 2 do processo (Página 3 de 22)
O comentário da subida de preços é mal visto por muitos leitores, dado que a PlayStation 5 aumentou o seu valor recentemente devido à inflação, e os seus jogos viram, no geral, um aumento de 10€. Mas a Sony defende que essa subida foi uma consequência de factores externos e que a própria Microsoft já sugeriu que poderia aumentar preços. Isto foi realmente um dos pontos abordados recentemente por Phil Spencer, chefe da Microsoft Gaming.
A marca acrescenta ainda que, na eventualidade deste acordo ser bem sucedido, a mesma perderia a habilidade de competir. E num argumento que poucos parecem compreender, afirma que criadores indies seriam forçados a tornar o seu conteúdo exclusivo para equivaler a demanda de Call of Duty na Xbox e Game Pass.
SONY LISTA DIVERSOS DOS SEUS RECEIOS
A importância dada a Call of Duty – que é apenas um dos vários franchises envolvidos neste aquisição –continua a ser visível. Nenhum dos outros universos (Diablo, Overwatch, World of Warcraft, Starcraft, Candy Crush Saga,…) é mencionado. Os 20 anos de história de CoD parecem ser os únicos videojogos envolvidos, pelo menos, da forma como a Sony se expressa.
Call of Duty está muito arraigado para que qualquer rival, não importa quão bem equipado, o alcance. Tem sido o jogo mais vendido em quase todos os anos na última década e, no género de tiro em primeira pessoa, é esmagadoramente o jogo mais vendido.
Resposta da Sony à decisão da Fase 2 do processo (Página 7 de 22)
O seu receio parece alastrar-se à ausência de Call of Duty na PlayStation Plus, equiparado ao forte desejo da Xbox em colocá-lo no Game Pass. Apesar de no documento referirem a promessa da Microsoft em lançar CoD nas consolas PlayStation até 2027, novas informações sugerem que este compromisso terá sido estendido para 2032. A Sony, por sua vez, recusou-se a prestar declarações. Isto aconteceu não muito depois de Jim Ryan, chefe executivo da Sony Interactive Entertainment, afirmar que os jogadores deixariam de ter poder de escolha caso a aquisição vá em frente.
Há diversas outras declarações polémicas da parte da Sony. Esta afirma, por exemplo, que a verdadeira estratégia da Microsoft consiste em transformar a PlayStation numa Nintendo, para diminuir a sua competitividade. E que o caso de Call of Duty não deve ser comparado ao de Minecraft, referindo-se ao jogo da Mojang Studios como um mundo infinito com “gráficos em bloco”. Alega ainda que a diferença entre o sucesso da Xbox e PlayStation não é tão grande, sendo que a Microsoft está “um pouco” atrás.
Outras das suas preocupações incluem a sólida infraestrutura que a Microsoft possui no cloud gaming. A Sony lembra que a rival está em vantagem, especialmente dado que o Google Stadia falhou e a Amazon “tem-se esforçado para ganhar força”.
A única forma de preservar a competição robusta e proteger os consumidores e desenvolvedores independentes é assegurar que a Activision permanece de propriedade e controlo independentes.
Conclusão da resposta da Sony à decisão da Fase 2 do processo (Página 18 de 22)
A MICROSOFT MANTÉM A COERÊNCIA
O discurso da empresa Americana, por outro lado, continua o mesmo. A Microsoft defende que a aquisição fará com que a Xbox consiga competir com a PlayStation e continuam a frisar que querem Call of Duty em diversas plataformas.
A Xbox planeia tornar o franchise Call of Duty disponível para mais jogadores de mais maneiras do que seria o caso no contrafactual.
Resposta da Microsoft à decisão da Fase 2 do processo (Página 1 de 111)
Há vários exemplos, neste documento, que suportam a ideia de que Call of Duty não tem o valor que a Sony lhe dá. A Microsoft sugere que, na eventualidade da PlayStation ficar sem este franchise, a mesma ainda seria uma das maiores publicadoras de jogos. Aqui, são referidos os jogos dos PlayStation Studios, a recente aquisição da Bungie e as acções na Epic Games e From Software.
Outra discreta revelação mais concreta que poderá surpreender, refere-se à disparidade do número de jogos exclusivos na PlayStation e na Xbox. A Microsoft refere que houve “mais de 280 exclusivos” na PlayStation em 2021, “quase cinco vezes mais” que na Xbox. Isto significa que, em comparação, o lado verde teve acesso a pouco mais de 56 exclusivos no mesmo período de tempo.
São utilizados diversos argumentos para suportar a ideia de que Call of Duty, especificamente, não define assim tanto o mercado. Há dados (confidenciais) que comprovam que esta franquia não é a primeira escolha dos jogadores, por exemplo, e que plataformas como a Nintendo e Steam tiveram sucesso mesmo sem CoD.
OUTRA VEZ A DAR CONSELHOS, MICROSOFT?
E, mais uma vez, a Microsoft parece dar dicas sobre a forma como Sony poderá lidar com a aquisição. Sugere até que o único motivo para o PlayStation Plus não competir com o Xbox Game Pass deve-se somente a ela mesma.
É claro que a Sony tem um leque de opções para manter ou melhorar a posição competitiva do PlayStation Plus. No mínimo, a Sony poderia incluir lançamentos 1st e 3rd party adicionais no PlayStation Plus no lançamento de “dia e data”. Os exclusivos 1st party da Sony actualmente não incluídos no PlayStation Plus incluem títulos proeminentes como The Last of Us, God of War, Spiderman e Final Fantasy VII Remake. A inclusão de tais títulos seria benéfica para os jogadores.
Resposta da Microsoft à decisão da Fase 2 do processo (Página 6 de 111)
Os acordos de marketing entre a Sony e a Activision, relativamente a Call of Duty, também foram mencionados.
Se a Sony não tivesse mais acesso ao Call of Duty (quod non), poderia mover os pagamentos de marketing que vem fazendo à Activision sob os acordos de Call of Duty para atrair títulos concorrentes para a sua consola, exclusivamente ou não. A Sony também poderia facilmente aumentar seus investimentos em marketing em FIFA, Grand Theft Auto, outra franquia de jogos de tiro como Battlefield ou Destiny (desenvolvida pela Bungie, que a Sony adquiriu recentemente) ou qualquer outro título popular para atrair mais subscritores para o PlayStation Plus.
Resposta da Microsoft à decisão da Fase 2 do processo (Página 6 de 111)
A Microsoft alega que os acordos de exclusividade entre as empresas não prejudicaram a Xbox e que, por isso, a Sony não sairá a perder. A Xbox terá mantido 40-50% dos jogadores de Call of Duty entre 2015 e 2019, apesar das parcerias de marketing em promoção das consolas rivais.
Os exclusivos da Nintendo e Sony também foram mencionados, com especial atenção dada àqueles que não colocam os pés na Xbox.
Além de ter conteúdo totalmente exclusivo, a Sony também fez acordos com editoras 3rd party que requerem a “exclusão” da Xbox do conjunto de plataformas em que essas editoras podem distribuir os seus jogos. Alguns exemplos proeminentes desses acordos incluem Final Fantasy VII Remake (Square Enix), Bloodborne (From Software), o próximo Final Fantasy XVI (Square Enix) e o recentemente anunciado Silent Hill 2 remasterizado (Bloober Team).
Resposta da Microsoft à decisão da Fase 2 do processo (Página 63 de 111)
A Microsoft reitera que estratégias de exclusividade de consolas não é uma novidade, e que qualquer impacto da compra da Activision é “altamente especulativo”.
O CONFRONTO DE DAVID E GOLIAS
É natural que ambas as empresas queiram proteger os seus interesses, mas ao passo que a Microsoft parece apresentar um discurso coerente, alguns defenderiam que a Sony perdeu o rumo. Esta aparenta estar à procura de pontos para defender a sua posição, sem parecer saber o que mais utilizar em seu favor. Além disso, a Sony continua a apontar a possibilidade da Microsoft aplicar práticas que consideram anti consumidoras, o que não parece impedir a sua própria estratégia de competição. Muitos jogadores questionam se a empresa não poderia praticar aquilo que tem vindo a dizer neste processo.
A probabilidade da aquisição ser aprovada é maior do que o oposto. No entanto, este espectáculo poderá ter resultados imprevisíveis. Será que a Microsoft consegue adicionar a Activision/Blizzard/King ao seu portfólio? Que consequências é que isso trará para a indústria?