Pentiment – Review

A Obsidian Entertainment, que recentemente lançou a versão 1.0 de “Grounded“, tem deixado sempre um legado com muito que falar, com experiências distintas que demonstram a sua versatilidade. Este último, feito por 14 pessoas, já chegou aos lares de mais de 13 milhões de jogadores. “The Outer Worlds”, de 2019, apresentou um novo universo que se tornou um clássico instantâneo, mas a equipa com quase 20 anos de casa será provavelmente mais conhecida por Pillars of Eternity ou “Fallout: New Vegas”. O seu futuro reserva “The Outer Worls 2” e “Avowed” – que deixa muita curiosidade. Mas hoje, é “Pentiment” que chega ao mundo para contar uma nova história.

No portfólio crescente dos Xbox Game Studios, uma das promessas feitas a todas as novas equipas que se juntam refere-se à inexistente interferência no processo criativo. A Microsoft tem bolsos muito fundos, podendo investir nos recursos que muitos estúdios sonham ter, pelo que esta perspectiva é cativante para muitos devs. A iniciativa de parte da equipa de Phil Spencer, tendo Matt Booty a dar um rumo a todos estes projectos e o seu papel na Xbox, tem-se provado eficaz em “Grounded” e continua a pavimentar o seu caminho de forma coerente e convincente com “Pentiment”.

Pentiment
© Obsidian Entertainment | Autora: Catarina Ferreira

É verdade que este novo jogo, da mente criativa de Josh Sawyer, não deverá ser chamativo para uma grande parte dos jogadores. Felizmente, no mundo dos indies, a pressão corporativa não tira essa liberdade criativa, colocando muitos deles longe da típica fórmula de blockbuster. E por este motivo, a promessa da Microsoft sempre me pareceu importante. Há histórias que precisam de ser contadas, ideias que devem ser apresentadas, e “Pentiment” pode acabar por surpreender muito mais pela positiva do que as pessoas esperam.

O seu estilo visual medieval, inspirado na arte do século XVI, talvez se sinta estranho e desconfortável nesta época contemporânea. Afinal, os estilos artísticos mudam imenso durante a história da humanidade, e o que era esteticamente apelativo na altura poderá não o ser hoje. Mas são os manuscritos e as xilogravuras desta época que nos levam ao ano de 1518, duma forma talvez bem mais significativa e interessante do que outros meios. A expressão artística é nada mais que uma forma de ver o mundo, portanto dificilmente haverá melhor ferramenta para viajar ao passado senão mesmo através desta perspectiva.

Nesta altura, onde o Renascimento era predominante, a Europa passava por diversas mudanças, traduzindo-se em bastantes referências em “Pentiment”. As novidades que vinham do Novo Mundo, os avanços na ciência que permitiram uma melhor representação da anatomia humana na Arte, ou o génio de Leonardo Da Vinci, lembram como esta foi uma época de evolução intelectual cheia de transformações políticas, religiosas e sociais.

© Obsidian Entertainment | Autora: Catarina Ferreira

É neste período que Sawyer se inspira, transportando-nos para a pequena cidade de Tassing, na província de Baviera, Alemanha. O líder deste trabalho, que envolveu mais 12 pessoas, usou as suas raízes alemãs para contar uma história de forma diferente.

“Pentiment” é um jogo de aventura, que pode lembrar um pouco o género point & click, mas traduz-se mais num RPG simples onde podemos escolher as origens do nosso protagonista, Andreas Maler; criar conexões com os diferentes personagens; e tomar decisões que irão influenciar acontecimentos por gerações.

A história do jogo desenrola-se no meio de diversas disputas sociais, onde há sempre espaço para intrigas, rumores e tragédia. Aliás, tal foi o meu espanto quando percebi que não conseguia deixar de pensar em voltar a colocar as mãos no comando. Não esperava ficar tão interessada em continuar a jogar para desvendar os mistérios que assolam a modesta cidade de Tassing e conhecer cada personagem e as suas características.

Estas são muito bem detalhadas, não só no discurso que apresentam, mas também pelo seu aspecto físico representado nas suas roupas, feições faciais e estatura corporal. Dei por mim a perceber que tinha de elogiar como esta pequena equipa conseguiu tornar cada rosto e corpo diferente, tornando bastante mais simples recordar as suas individualidades.

Aquele prazer de ver a tinta preencher o resto da letra…
© Obsidian Entertainment | Autora: Catarina Ferreira

Tudo ainda se torna mais evidente quando os habitantes são sempre acompanhados com os seus balões de fala, visto que o seu carácter é também observado através do tipo de letra. É interessante ver como isto também pode mudar consoante a opinião que Andreas forma nas suas interacções. Parece-me que quanto mais ele se identifica com alguém, mais o tipo de letra se assemelha ao seu e, como artista e intelectual, será aqui o ponto que ele encontra em comum. Se houver personalidades mais autoritárias ou aliadas a determinado estrato social, mais grosseiras são as suas linhas de texto. E se forem pessoas afáveis, nota-se a leveza na aplicação da pena e tinta.

Há ainda gotas que poderão demonstrar um estado emotivo mais alterado, e a própria tinta se vai desvanecendo nos diálogos. Por vezes, as personagens cometem gralhas que apagam e corrigem. Todo este cuidado da parte da equipa de Sawyer demonstra uma dedicação excepcional e ajuda a que “Pentiment” transmita uma história verdadeiramente real e genuína.

São estes pormenores que facilitam a criação duma relação natural com cada personagem, seja qual o sentimento que tira de nós. Torna-se instintivo depois deixarmo-nos levar pelo enredo, dado que até a postura corporal de cada um conta uma história, e os mais velhos vão perdendo a sua tinta com o passar do tempo. Embora a mim aqueles pedaços brancos mais me lembrem borbotos…

Este Gernot parece estar muito indignado!
© Obsidian Entertainment | Autora: Catarina Ferreira

Estas histórias vão sendo contadas nas diversas interacções que temos com as personagens. “Pentiment” não se resume a apresentar-nos diferentes linhas de diálogo e explorar os seus possíveis fins. Há outros factores que determinam o resultado da narrativa que os próprios jogadores constroem. O passado de Andreas, por exemplo, pode ser escolhido a dedo. Há algumas opções iniciais que nos ajudam a construir a personalidade deste artista, algo que terá um papel decisivo em conversas, além de sugerir opções de fala diferentes.

Os seus conhecimentos e personalidade são afinados a gosto pessoal, mas a sua importância na história irá depender dum factor fora de nós. O jogo tem diversos fins possíveis para algumas partes da narrativa, e até tem o que se poderia chamar de side quests. No entanto, não há forma de antever qualquer resultado, o que torna esta aventura ainda mais imprevista e, portanto, entusiasmante! E isto sente-se especialmente naquelas interacções que ficam registadas e que serão determinantes noutras ocasiões. Ninguém em Tassing tem memória curta para o que dizes e fazes. Acho que nunca senti tanto que as minhas escolhas tivessem impacto no desenrolar duma história, até porque se estende por 25 anos. Muito muda em 25 anos!

É também impossível conseguir arranjar espaço para todas as tarefas que desejaríamos fazer, e é aqui que as nossas escolhas são necessárias. Nos diferentes actos de “Pentiment”, há sempre um estranho assassinato que ocorre, trazendo à tona um punhado de suspeitos. Mas nunca há tempo suficiente para reunir provas, o que deixa aquela sensação de que nunca sei com certeza se condenei a pessoa correcta.

© Obsidian Entertainment
© Obsidian Entertainment
© Obsidian Entertainment
© Obsidian Entertainment

Mas não parece também que seja esse o objectivo. Diria até que Sawyer quis explorar a forma como decisões neste género de RPGs afectam comunidades inteiras durante anos (usando a em entrevista da True Achievements como referência). É um pouco estranho observar como os tempos e as vontades mudam neste canto da Alemanha, mas regista-se como uma experiência recompensadora conhecer o destino das diferentes personagens, o quanto evoluíram e de que forma estas decisões afectam tanto os seus habitantes como o espaço em volta.

Talvez “Pentiment” seja, na verdade, um dos poucos jogos do género onde conseguimos compreender a escala das nossas escolhas, por vezes somente anos após serem tomadas. Curiosamente, torna-se muito semelhante à forma frustrante como temos que lidar com o desconhecido resultado das nossas acções em vida. É irritante, não é?

© Obsidian Entertainment | Autora: Catarina Ferreira

Esta experiência imersiva não o deve somente aos contos e histórias que conhecemos. Também há notícias vindas de outros locais, pequenas expressões de cultura aqui e ali, e até mini jogos. Aprendemos sobre o dia-a-dia dos agricultores, o material necessário para fazer pão, ouvimos os últimos mexericos à mesa enquanto comemos o que era típico do século XVI.

Somos ainda acompanhados pelo barulho da azáfama habitual, desde ovelhas constantemente a balar, ao som do vento a passar pelas árvores da floresta. Temos o pesado sino a tocar para assinalar diferentes fases do dia, e alguns momentos da narrativa são marcados por uma banda sonora produzida com instrumentos tradicionais pelos Alkemie.

Embora, inicialmente, tenha sentido falta de algum estímulo musical para me inserir na aventura, “Pentiment” não é de todo silencioso. Há um constante rabiscar de pena a entrar pelos ouvidos, à medida que a história está a ser, essencialmente, escrita como um manuscrito.

Pentiment
© Obsidian Entertainment | Autora: Catarina Ferreira

Os criadores arranjaram ainda tempo para tornar a sua obra acessível. Sem propor qualquer tipo de desafio físico ou mental, a acessibilidade por si é praticamente oferecida a qualquer um que deseje experimentar o título. Mesmo sem conhecimento de causa, não há razão para deixar que “Pentiment” nos intimide, pois existe um glossário extenso. A complexidade e número das personagens e histórias pode parecer esmagadora, mas há também mapas, diários e registos de tudo o que encontramos.

Não tendo voice acting para trabalhar, o foco no texto é imenso, onde as emoções das personagens podem ser sentidas. Portanto, as suas opções de acessibilidade referem-se mais em termos visuais, já que os próprios estilos de letra da época não são simples nem para a maioria dos jogadores. Como descrito anteriormente, é possível escolher uma fonte mais fácil de ler, havendo ainda formas de mexer no formato e tons do texto apresentado.

Já no que toca à possibilidade de revisitar cenários para escolher opções e caminhos diferentes, “Pentiment” podia certamente ver uma melhoria na organização das gravações através da IU. Certamente apelaria aos poucos jogadores que terão interesse em percorrer a história mais que uma vez.

Pentiment
© Obsidian Entertainment | Autora: Catarina Ferreira

Parece que é a Obsidian que, mais uma vez, demonstra o valor das aquisições da Microsoft. A equipa de Josh Sawyer conseguiu criar uma obra-prima completa, juntando aquela liberdade criativa que os membros mais corporativos da indústria precisam, com uma pesquisa histórica dedicada e um detalhe cuidado prestado a cada personagem e cenário. Este conjunto é o que torna “Pentiment” um monumento vivo do século XVI, acabando por preencher esta lacuna dum ano 2022 seco de títulos Xbox. Não está aqui só para tapar buracos. “Pentiment” vale mesmo a pena.


PRÓS

  • Narrativa interessante;
  • Cuidado na precisão histórica;
  • Ligações emocionais com personagens;
  • Atenção ao detalhe artístico;
  • Espaço para diferentes resultados;
  • I can pet animals!

CONTRAS

  • Uma ou outra gralha;

| Título | Pentiment
| Plataformas | Xbox Series X|S, Xbox One e PC
| Género | Aventura, RPG
| Estúdio | Obsidian Entertainment
| Publicadora | Xbox Game Studios
| Preço | 19,99€
Site Oficial

"Impressive, Most Impressive"

“IMPRESSIVE, MOST IMPRESSIVE”

10/10


Código de review foi providenciado pela Xbox Portugal
Foi utilizada uma Xbox Series X e TV Thomson 24” 1080p para esta review

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