Aos 28 a idade começa a pesar. Digo-o com humor, mas também seriamente. Começamos a ver que algumas coisas ficam no passado, e a saudade das coisas boas que por lá ficaram começa a deixar aquele aperto no coração. Já não somos mais crianças nem adolescentes. Já não temos uma vida tão inteira pela frente. As responsabilidades já pesam há alguns anos e nisto, as memórias de videojogos também começam a acumular. Os 5 anos transformam-se em 10. Os 10 transformam-se em 20. E esse backlog parece não querer parar de crescer!
É um sentimento doce, no entanto, ter a alegria de revisitar esses bons momentos e perceber como conseguimos ser felizes. Muitas vezes se diz que éramos felizes e não sabíamos. Essa frase ganhou ainda mais sentido quando a pandemia chegou. Cheguei a mencioná-la quando passado alguns meses me lembrei da música “Despacito” e comentei com a minha mãe como essa música era o maior dos nossos problemas em 2017/18, e que mal fazíamos ideia de como éramos mais felizes assim. Face à gravidade da pandemia, coloquei a música a tocar no Youtube e soube-nos melhor naquele momento do que quando não parava de tocar na rádio e, pior, nas nossas cabeças num loop interminável! Naquele momento, a música soube bem e fez-nos recordar de templos mais… simples.
Temos um pouco esta tendência, não é? Esquecemos de viver o presente e apaixonamo-nos melancolicamente pelo passado. De alguma forma todas as memórias e as diferentes versões que vamos contando aos outros e a nós mesmos com o passar do tempo parecem embelezar algo que provavelmente não foi assim tão icónico.
Para o bem e para o mal, enquanto recordar é viver, o hoje também importa e receio que todos nós percamos tanto da vida por não aprender a viver o presente.
‘Presente’. Uma palavra que tanto significa o agora como uma dádiva. Será talvez a dádiva do hoje. Hoje acordo. Hoje como. Hoje tenho cama onde dormir. Hoje tenho sítios onde passear. Hoje tenho videojogos para desfrutar.
Adorámos olhar para trás e recordar os jogos da nossa infância, talvez da adolescência. Temos um hábito terrível de amar de paixão tudo o que vivemos, sem recordar falhas, enquanto parece que cada vez mais nos esquecemos de apreciar a tecnologia, diversidade e oferenda que temos para explorar nesta indústria. Foi uma parte da cultura e entretenimento que cresceu exponencialmente desde que foi concebida, e hoje, agora, chega ao ponto de saturação.
ÉRAMOS FELIZES!
Quantos daqui se lembram das primeiras vezes que jogaram? O primeiro contacto. Com que idade? Com quem estavam? Qual a máquina? Qual o jogo?
Para todos é uma história pessoal e especial a contar. Muitos foram apresentados a este mundo por influência de familiares mais velhos. Provavelmente ainda muito jovens, sem ter chegado à puberdade sequer. E a verdade é que a maior parte de nós experienciou tudo isto com olhos mais inocentes, mais maravilhados e tão fascinados com tudo o que viam.
Fui sendo introduzida aos jogos de forma gradual. O título mais antigo que me lembro de jogar era “Sokoban“, quando ainda tínhamos disquetes com aqueles míseros 1.44MB. Se calhar foi por isso que um dos meus géneros favoritos continua a ser os puzzles. Tenho vaga memória de também jogar algum jogo de batalha naval. Tenho mais pena dos poucos títulos que não recordo quais eram, mas que se os visse hoje seria aquela enchente de nostalgia que me levaria há mais de 20 anos atrás.
Na escola primária, começou a aparecer o GameBoy. Os meus colegas tinham jogos do Wario e da Looney Tunes (acabei de descobrir, era o “Bugs Bunny & Lola Bunny: Operation Carrot Patch”!). Era o clássico momento de intervalo em que um jogava e os outros olhavam em êxtase, a consumir o que podiam com aquelas mesmas órbitas famintas. Desejava um para mim, queria experimentar e controlar com as minhas mãos.
Nunca fui criança de pedinchar. Feitio ou educação, considerava-me feliz com o que tinha. E considero que tinha muito, muito com que brincar! Especialmente em comparação com a geração dos meus pais. Mas sentia que tinha colegas talvez com famílias com melhores possibilidades, e muitas vezes invejava saudavelmente o que eles tinham. Fossem cartas de Pokémon, carrinhos ou aquela consola portátil da Nintendo.
Devia ser o meu 7º aniversário quando fui surpreendida pela minha família. Pais, avós, tios, tudo se juntou para me comprar um GameBoy Advance com o “Super Mario World”. Até hoje, foi das melhores prendas que recebi. Não estava nada à espera. Durante alguns anos fartei-me de jogar esse único jogo, repetindo inclusive tantos níveis. Não existia aborrecimento. Um único jogo servia para anos se o esmiuçássemos até ao tutano.
“The Sims”, “Monster Bash”, “Theme Hospital”, “Sim Theme Park”, “Dinner Dash”, “The Sims 2”, “Halo: Combat Evolved”, “Super Granny”, “Halo 2”, “The Sims 3”. Eu não me cansava de nenhum deles. Ia jogando tudo isto com a minha tia, com um PC que fazia tudo funcionar. O que tínhamos em casa não dava para qualquer um destes jogos, pelo que para mim, jogar no PC era raro e no meu espaço ora tinha “Super Mario World” de novo, ou “The Sims” quando a minha mãe jogava no seu portátil que comprou na Staples ao pé do NorteShopping. Meu Deus, a revolução que era na altura, um computador portátil! Garanto, “The Sims” não era perfeito, mas lá está. O sentimento que nos envolve é de tal ordem que acabamos por esquecer todas as falhas.
Eu sentia que, apesar de privilegiada, não tinha a liberdade de jogar quando queria, nem o que queria. Éramos felizes inocentes com as limitações da infância, que se calhar nos ajudavam a valorizar mais o pouco que conseguíamos.
SOMOS FELIZES?
Noto, nos últimos anos, com o crescimento das redes sociais mais abertas, como o Twitter ou Discord e a maior abertura e diálogo entre criadores de videojogos e os seus jogadores, que aumentou também um sentimento de direito em exigir tudo e mais alguma coisa e ainda conseguiu diminuir o conceito de que os criadores de videojogos são tão humanos quanto aqueles que os desfrutam. Mas especialmente de que nós, consumidores, somos realmente os verdadeiros patrões das grandes empresas, guiadas pelo nosso dinheiro, e que isso nos dá a liberdade e dever de garantir que todos os nossos desejos têm de ser compreendidos e preenchidos.
Este texto foi motivado por dois tópicos relativamente recentes. A contínua insatisfação de fãs de Halo com “Halo Infinite”, e a habitual crítica de Nintendo Directs e State of Plays. São apenas exemplos que calharam na roleta do agora.
Somos, sem sombra de dúvida os patrões das empresas. São movidas pelo nosso dinheiro. Ironicamente, somos também os primeiros a queixar-nos talvez de microtransacções, por exemplo, mas os primeiros a usá-las. Estamos fartos de remasters, remakes e ports, mas as vendas dizem o contrário. Quantas vezes comprámos “Gran Theft Auto V” e “Skyrim”?
São empresas, contudo, desonestas. Usam as nossas fraquezas. Aproveitam-se precisamente da nossa procura pela nostalgia, do continuarmos a achar que voltar ao passado vai resolver de alguma forma as nossas desilusões do presente. Talvez nos levem a lugares onde nada nos preocupava. Ou levam-nos a acreditar que há escassez digital, e a pensar que precisamos de colecções que nunca poderemos tocar. Andando a dar trocos que se tornam centenas ou milhares para breves momentos de satisfação imediata tão desejados pelo cérebro.
Somos esta criatura gigante estranha, sem saber muito bem o que quer, com uma boca que fala contra o dinheiro que tem na mão. Mas que continua, constantemente, a criticar tudo e mais alguma coisa. Mas este “criticar” nem é sequer saudável ou construtivo na maioria das vezes. É tóxico, pura e simplesmente.
É uma daquelas falhas humanas. Criticar sem saber. Mas continuamos a insistir na mesma tecla. A grande maioria dos jogadores simplesmente não sabe o que implica a criação de um jogo, mas isso não os impede. Alguns pura e simplesmente devem sentir necessidade de atirar as culpas a algum bode expiatório, porque não conseguem conceber a realidade: de que pura e simplesmente quase nunca há soluções perfeitas e as coisas não correm como desejaríamos. E nestas redes sociais, aparecem também os “mais entendidos na matéria” que cobrem tudo sobre videojogos há anos, mas continuam a criar artigos com clickbaits ou apenas tentam manter alguma reputação imaginária de que são especialistas.
Há ainda muito este mito de que qualquer entendido num assunto tem de saber tudo sobre ele. Não tem. E para que conste, eu sei muito pouco sobre desenvolvimento de videojogos. Penso que, talvez, deveríamos todos aprender a ter cuidado quando falamos de assuntos dos quais não entendemos. E esta noção errada e absolutamente irrealista de que há uma imagem a manter porque se formos apanhados a dizer que não sabemos tira alguma credibilidade, tem contribuído de forma venenosa para a propagação de desinformação. Um médico, um cientista, político, jornalista ou artista não sabe tudo. Aliás, diriam alguns que parte da sabedoria está em assumir que há coisas que não se sabem. Talvez porque os sábios compreendem que o mundo perde muito mais com falsas noções de sabedoria do que com o conhecimento da ignorância. A própria ignorância não é um insulto, como tantos fazem querer parecer. E só neste excerto havia tanto que se poderia escrever. Talvez para outra altura?
VAMOS APRENDER A SER FELIZES?
Devemos sim, continuar a ser construtivos mas nossas críticas, a apresentar argumentos fortes naquilo que é preciso, a denunciar o que é errado e pronunciar nos tópicos difíceis. Mas nessa exigência não deve faltar a capacidade de exigir melhor também… de nós próprios. E de lembrar das pequenas coisas talvez supérfluas para alguns, de que somos uns privilegiados pela água que bebemos, pela cama que nos repousa, pelos jogos que nos entretêm e tantas vezes nos salvam.
Pela coincidência divina que é viver neste tempo da humanidade, em que observamos a evolução em quartos de vida, quando antes era preciso gerações inteiras para se formar algo na materialidade, começando na cabeça de uns e criando-se nas mãos dos seus descendentes anos depois.
Pelo privilégio de estarmos presentes neste momento, em que conhecemos e experimentamos tanto talento e criatividade, com todas as suas falhas humanas que os tornam mais reais e crus que qualquer perfeição sem graça. Que em toda a história da humanidade, da idade da pedra ao iluminismo, entre descobrimentos, globalização e guerras mundiais, passando pelas primeiras lutas contra racismo e machismo, estejamos a viver no tempo dos videojogos, de Phil Spencer e Gabe Newel, de Halo e God of War, do universo cinematográfico da Marvel, dos milhares de jogos indies que são colocados aos olhos do mundo todos os anos. De todas as coisas que já vivemos, estamos a viver e ainda viveremos, que tantos nesta Terra nunca tiveram nem nunca terão oportunidade. De conhecer o Mario, Sonic, Master Chief ou Lara Croft. Do raio do Xbox Game Pass, malta!
Fazemos parte de algo maior. Se temos a capacidade e o dever de exigir melhor dos criadores de videojogos, em todo o seu talento criativo e ambiente laboral, não teremos também o papel de exigir o melhor de nós próprios enquanto consumidores?
Caramba, a Catarina de 9 anos que jogou “Halo: Combat Evolved” lá para 2003 estava maravilhada e ficaria em êxtase se só tivesse “Halo Infinite” para explorar.
Onde foi parar essa criança interior em cada um de nós? Não lhe deveremos mais do que estar constantemente a pensar naquilo que não está como queremos? Que tal tentarmos reeducar-nos a focar nas coisas incríveis que temos a oportunidade de vivenciar?
Enfim, que cada vez mais tenhamos a capacidade de olhar para trás e dizer que éramos felizes… e que o sabíamos!