#GamingIsAWorldChanger | O assédio tem nome

Quem anda pela caótica rede social denominada de Twitter, poderá ter-se deparado com mais uma polémica a rondar os perfis portugueses nesta antes tranquila segunda-feira. Infelizmente, esta é uma que merece atenção, porque por alguma razão ainda não se atingiu um patamar de decência humana em que atitudes deploráveis são devidamente punidas – já que pedir que estas atitudes não existam em primeiro lugar parece estar a séculos de mentalidade de distância.

O Iberanime 2022 voltou à Exponor, no Porto, no fim-de-semana passado de 22 e 23 de Outubro. O evento descreve-se como o “maior espectáculo de cultura Pop Japonesa” e dedica-se a celebrar isso mesmo com actividades, concertos, cosplay, gaming e workshops, entre tantos mais.

Algures no decorrer deste evento, mulheres foram assediadas publicamente e em directo no Twitch. O GochaVL tem um canal com quase 30 mil seguidores, utilizou a sua plataforma para criar conteúdo, tendo assediado de forma constante algumas cosplayers presentes. O VODcast em questão foi, entretanto, apagado, mas não sem antes alguns membros desta comunidade terem tido a oportunidade de reunir provas em formato de imagem e vídeo.

Do que deu para constatar, houve mais do que uma vítima deste assédio, sendo que pelo menos uma era menor. Frases como “é mesmo boa” foram proferidas, bem como sugestões e comentários no chat como “é mais uma que quer levar com ele” ou “ela é que se põe a jeito”.

Como portadora de útero há 28 anos, sinceramente já estou cansada. Cansada. Levava com piropos até em criança. Ainda nem peito tinha. Acho que parte de mim sempre tentou tudo para passar o mais despercebida possível aos olhos execráveis dos homens. Ouvir bocas faz parte do crescimento e vida de qualquer mulher. Não há uma única que não tenha tido uma má experiência, e estas vêm às resmas. É uma triste realidade com séculos que ainda não parece ter o seu fim à vista: mulheres ainda são vistas como objectos de fantasia sexual pelos homens.

É das coisas mais nojentas que traz aqui o fervor ao de cima, e fico com uma vontade louca de fazer todas as possíveis atrocidades às pessoas que se atrevem a abrir a boca sequer para mandar as suas vocalizações perversas de desejos sexuais disfarçadas de elogios. Estarei a ser radical quando digo que acho que não merecem o ar que respiram? Há humanos simplesmente deploráveis não porque erram, mas porque recusam-se a admitir os seus erros e a procurar ser melhor que a sua versão anterior, causando desconforto, repudio e dor àqueles que os rodeiam. Se se recusam a querer perceber o impacto negativo que causam, serão merecedores de clemência? Da mesma forma que não se pode tolerar a intolerância, não se pode colocar água na fervura e deixar passar impune este tipo de comportamentos.

Piropos é assédio. Assédio é crime. Crimes são puníveis.

Não há opiniões, não há pontos de vista, não há nada a discutir nisto. Não há um “era uma piada”, seguindo de um “desculpa se te ofendi”. As pessoas não se ofendem sozinhas, elas reagem a ofensas. Fazer um comentário de cariz sexual fora dum ambiente propício para isso é ofensivo. Especialmente quando as pessoas são objectificadas. As pessoas não são objectos. Cosplayers não estão ali para receberem piropos. Não estão ali para fantasias sexuais. Há espaços desenvolvidos pela sociedade para albergar todo o tipo de desejos do género, e nada – NADA – num evento público como este, dedicado a visitantes de todas as idades, poderia fazer alguém com civismo pensar o contrário.

Este terá sido somente um que acabou por colocar a sua própria ratoeira, face a dezenas, senão centenas de outros tais que se comportam da mesma forma selvagem e desumana nesta indústria em Portugal. O assédio acontece de forma diária, a qualquer momento, em locais de lazer, de cultura, de trabalho. Em ambientes estranhos e familiares. É um inimigo terrível que tem de ser combatido de forma constante durante vidas inteiras.

Donde vem esta guerra? Porque existe? Talvez a educação tenha um papel imensamente crucial, estando presente em diversos contextos. Existe uma falha enorme na que é dada nas escolas e em casa. Faltam tantos princípios básicos de convivência e civismo. Há um enorme vazio na percepção do outro para além de nós, desde a sociedade humana ao ambiente natural que nos rodeia. Custa ver esta brecha espalhada até ao gaming, que começou por ser visto como muito mais marginal do que hoje, e que tal como a maioria das expressões da cultura Pop, era um refúgio para aqueles que procuravam sentir-se seguros do resto do mundo.

Mas É um refúgio para muitos, sendo hoje ainda mais: um catalisador de mudanças, não somente um resultado delas. As mulheres escondem-se cada vez menos do estigma de que jogar é para homens. Os adultos compõem a maioria da comunidade gamer. A Microsoft e a Sony estão a fazer história na criação de novos formatos de acessibilidade. Títulos celebram a diversidade humana, desde o tom de pele ao género. Quebrar preconceitos e mudar o mundo já faz parte do gaming há anos, talvez não de forma evidente debaixo dos holofotes do resto do público, mas enraizando-se nos corações de milhões que crescem e vivem neste mundo. Estes um dia serão os tutores de mais gerações cheias de ideias e vontade de deixar a sua marca.

E enquanto talvez não seja possível influenciar a mentalidade de quem recusa evoluir e aprender com os erros, temos todos, como gamers, o dever de garantir que algumas mensagens não perduram. A intervenção, por mais breve que seja, vai fazer a diferença a qualquer vítima. E quando se trata de organizações, instituições e equipas, a acção tem de ser rápida, directa e definitiva. Contractos têm de ser terminados (e devem prever resposta a estas situações), parcerias têm de acabar, carreiras têm de ficar manchadas. Não pode haver tolerância para este tipo de comportamento. Tem de haver consequências. Enquanto não as houver, o padrão vai continuar a repetir-se.

Estamos atentos.

#GamingIsAWorldChanger

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