Os últimos dias têm sido caóticos e polémicos. O tópico principal? A fuga de imagens e vídeos do novo GTA da Rockstar Games. A gravidade do sucedido preocupou tanto fãs como criadores de jogos, e terá deixado a sua marca na história.
Mas após o comunicado oficial do estúdio, que acabou por nos apaziguar a todos, o tópico que se manteve à tona acabou por se referir ao estado de desenvolvimento observado. Porquê? Porque, aparentemente, uma boa parte dos jogadores não tem a noção do processo de desenvolvimento de um jogo.
Os leaks que surgiram terão mostrado uma boa parte de funcionalidades e opções que o próximo capítulo de Grand Theft Auto terá. Como será (ou seria?) de esperar em qualquer jogo em fase precoce de desenvolvimento, os visuais não são prioridade. Aliás, a arte visual é das últimas coisas a serem trabalhadas e apuradas. No entanto, por algum motivo, uma grande parte da comunidade começou a criticar uma fase inicial do jogo por “parecer inacabado”. Bom… é porque está!
IGNORÂNCIA NÃO É UMA BÊNÇÃO
Parece que muita gente estava à espera que o desenvolvimento dum jogo fosse semelhante ao que vemos no produto final! Afinal, toda a gente sabe que antes de construir uma casa, deve-se pintá-la.
Entretanto, alguém teve a infeliz ideia de se mostrar agnorante – que, para quem não sabe, é um termo urbano utilizado para descrever pessoas que são tanto ignorantes como arrogantes. No fundo, descreve uma grande parte dos utilizadores da internet, que constantemente provam a sua ignorância, sem que isso os impeça de mostrar confiança nos disparates que dizem. Aposto que já começaram a surgir aí momentos de realização em que pensam: “Espera lá… Eu já me deparei com gente assim!”. E é verdade. Estão em todo o lado!
Já não basta deixarmos que a ignorância seja tão abismal num mundo onde a informação (ok, a desinformação também…) está à distância dum clique. Hoje em dia, ignorância é uma escolha. Aliás, não é à toa que lutamos contra ela aqui nos Dummies.
Como tudo o que é viral na internet, os casos e as vítimas simplesmente acontecem. O autor do tweet que acabou por gerar uma série de respostas da indústria na rede social, acabou até por proteger a sua conta de olhares curiosos. Agora só podemos ver vestígios de quem tirou print. O que é que ele disse, afinal? @Design4Mind317 afirmou, com a maior certeza, que quem percebe de desenvolvimento de videojogos, sabe que os visuais são das primeiras coisas a ser feitas, e que o aspecto das primeiras construções reflecte o que se pode esperar no seu lançamento.
O sujeito parecia também estar confiante do tempo de produção do novo GTA, mencionando 4 anos, e concluiu, para quem duvidasse, que sabia do que falava porque educou-se e tirou um curso sobre o assunto.
Quem somos nós para questionar, então?
POR DETRÁS DA CORTINA
É verdade. Na grande parte do processo de desenvolvimento dum videojogo, até os mais visualmente impressionantes, não há muito que incite o olhar. O horror!
A “agnorância” (sério, tornem este termo oficial!) existente na sociedade foi demonstrada naquela resposta, causando uma onda de publicações de vários estúdios. Aliás, parece que os leaks de GTA 6 tiveram uma parte boa: a discussão e esclarecimento, de uma vez por todas, de um dos mitos do desenvolvimento de videojogos. O problema acabou por provocar uma onda de solidariedade entre estúdios e até jornalistas das mais diversas origens, com exemplos semelhantes de jogos já lançados e até bem aclamados na indústria.
Tal como um esboço feio antes duma lindíssima pintura, ou um bloco de pedra sem graça antes de se tornar uma escultura fascinante, os videojogos simplesmente não são bonitos no seu começo. Deixo o aviso: não vão ver coisas apelativas ao vosso sentido de estética (espero mesmo que não, seria mau sinal). Mas talvez com isto vejam e percebam, caso houvesse dúvidas, que os visuais não são a primeira coisa a ser trabalhada na criação dum jogo. E, com alguma esperança, elucidar um pouco com cultura para que, talvez, o esforço dos devs seja mais respeitado e admirado.
BLASPHEMOUS
Um dos mais recentes platformers 2D com elementos souls-like inspirou até a From Software, que deixou uma homenagem ao jogo da The Game Kitchen em “Elden Ring”. E não, não foi sempre um poço de pixel art. O estúdio mostrou-se solidário com a tendência e re-partilhou um vídeo de mais de 30 minutos de 2018, onde se pode ver os bastidores da construção dum mapa de plataformas. Ainda numa fase inicial de produção, “Blasphemous” estava reduzido a algumas formas geométricas com dados numéricos que deverão representar as medidas das diferentes áreas em pixéis, possivelmente.
DELIVER US THE MOON
A KeokeN Interactive demonstrou o seu apoio partilhando imagens de versões iniciais do jogo “Deliver Us The Moon”, contendo um boneco simples ao qual chegaram a dar a alcunha de “The Michelin Man”. Foi bem metida, certo?
DESTINY
Bem, ai de mostrarem isto a alguns jogadores. “Destiny” parecia um jogo da geração 6 de consolas. Em algumas partes (que se pode ver num vídeo trazido a público por David Candland), parece algo realmente cheio de falhas e problemas. Mas tornou-se um sucesso e a cara da Bungie actual.
HORIZON: ZERO DAWN
Cian Maher, escritor freelance, relembrou o primeiro protótipo de “Horizon: Zero Dawn”, um dos jogos da Guerrilla Games que foi apreciado pelo seu aspecto e detalhe visual. Num tweet, pode-se ver um Thunderjaw, conhecido também como Duplo Raptor, na sua forma original em 2011. Algumas imagens foram partilhadas em 2018, pelo antigo Designer de Robôs e Líder de Combate do jogo.
IMMORTALITY
Uma recente adição ao Game Pass não passa ao lado só porque foi realizado com filmagens reais. Há sempre um processo de planeamento que, aqui, começou com uma representação muito minimalista. Foi o director e escritor do jogo que nos apresentou esta realidade que não mudou nos dois primeiros anos de desenvolvimento.
SEA OF THIEVES
A Rare nunca foi muito de esconder os exemplos de “Sea of Thieves” no seu esplendor. Aliás, em 2020 acabaram por prestar homenagem aos barris brancos com características faciais. Embora não se tenham pronunciado sobre a polémica, vários internautas relembraram os primórdios dum jogo que foi bastante elogiado pelo seu estilo artístico.
AND SO ON, AND SO ON…
O Twitter está agora cheio de exemplos do esqueleto de jogos, agora publicados em resposta com a frase “Graphics are the first thing finished in a video game” – considerada por muitos como a pior visão dos videojogos –, ou a serem partilhados novamente.
Vale a pena recordar muito do conteúdo, especialmente agora que a altura do #Blocktober está a voltar. Esta tendência ocorre anualmente na internet para incitar os devs a partilharem o aspecto do desenvolvimento dos seus projectos em formato blockmesh (no fundo, em formas geométricas simples).
Será que a maioria de vocês se vai surpreender com o aspecto que alguns dos maiores sucessos e blockbusters da indústria tinham?
Kurt Margenau foi responsável por co-liderar o design de “Uncharted 4” e, em 2017, partilhou um vídeo da conhecida cena de perseguição. Na altura, acabou por acrescentar que um “blockmesh não tem significado se não for jogável”, e que o objectivo inicial é, efectivamente, garantir que representa a experiência de jogo o melhor possível.
Here's that downhill chase section played in blockmesh vs art blockmesh vs final art. There are a million stages between. #blocktober pic.twitter.com/goTrkE2XEM
— Kurt Margenau (@kurtmargenau) October 4, 2017
Em 2018, o Designer Sénior da Naughty Dog partilhou o seu trabalho em “Uncharted: The Lost Legacy”. Criar jogos não é divertido e fácil como a maioria pensa. Requer uma insistência extensa para garantir que tudo corre da forma mais fluída possível. Acima de tudo, as coisas têm de funcionar!
“The Last of Us”, do mesmo estúdio, não fica nada atrás destes exemplos.
A Slime Interactive mostrou uma comparação da evolução de “Ghost of a Tale”. O actual Designer de Níveis da Crystal Dynamics, Kolbe Payne chegou a desenhar mapas para “Halo Infinite”. Quase parece o “Halo: CE”! A Troglobytes Games partilhou o seu blockmesh de “Blind Fate: Edo no Yami” em 2021. (Jogo que iremos analisar graças ao ID@Xbox!) Reparem na falta de texturas de “God Of War”, numa animação que Robert Morrison, do Bend Studio, colocou no Twitter:
Games in development don’t look like the final product 🤓 pic.twitter.com/69YqAC2gwf
— Robert Morrison (@RobertAnim8er) September 21, 2022
Agora Designer de Níveis Sénior na UNSEEN, Shane Canning fez parte do desenvolvimento de “Marvel’s Spider-Man”, e mostrou-nos um mundo onde os gráficos, certamente, não eram ainda prioridade. “Star Wars Jedi: Fallen Order” certamente evoluiu. Até o director de jogo de “A Plague Tale: Requiem”, Kevin Choteau, partilhou uma breve comparação do jogo que lança a 18 de Outubro. E nem se fala no aspecto de “Overwatch” em 2014, um ano antes de ser revelado na BlizzCon.
“Control”, o jogo da Remedy Entertainment, recebeu inúmeros prémios pela sua excelência gráfica. Conquistada a muito custo. Pena não terem deixado os cubos que dizem “Atira-me”… *inserir emoji triste*
Nem os mais pequenos se escapam da complexidade que é desenvolver um videojogo!
A MoonaticStudios está a usar o Unreal Engine 4 para trazer “One Last Breath” ao mundo, e respondeu às alegações feitas com uma comparação lado a lado.
O estúdio indie japonês Ryota partilhou um antes e depois de “Mousebusters”, demonstrando que até os jogos com pixel art evoluem. E que diferença!
"Graphics are the first thing finished in a video game"
— Ryota (@ryo4071) September 21, 2022
This is an early version of Mousebusters!! that we released game.#mousebusters #ねずみバスターズ pic.twitter.com/nhaAtalznJ
“I See Red”, da Whiteboard Games, também demonstra bastantes diferenças entre as primeiras construções e o seu aspecto actual. O aclamado “Frostpunk” da 11 bit studios era muito diferente, especialmente quando ainda nem tinha os desafios das baixas temperaturas… A simplicidade de “Feed The Pup” também mudou com o tempo.
Ok, “Cult of the Lamb” sempre foi fofo, mas nota-se bem que o toque artístico dá-lhe outra vida. E muitas outras coisas mudaram a sua forma de ser.
"Graphics are the first thing finished in a video game"
— Cult of the Lamb 🙏🐑👑 OUT NOW (@cultofthelamb) September 20, 2022
Here's what early versions of Cult of the Lamb looked like pic.twitter.com/F5EyEH6M9r
Nunca, nunca julguem uma obra de arte antes de estar terminada. E, por favor, independentemente do vosso descontentamento com o resultado final, sejam civilizados. Critiquem, não insultem. Elogiem, não tomem por garantido. Há imenso talento desvalorizado, porque os jogadores não imaginam o que custa trazer os jogos que tanto adoram, nomeadamente os AAA, com maior investimento. Respeitem o trabalhado de todos, se possível!
Está em todos nós a capacidade de influenciar o mundo para aquilo que gostaríamos de ver.
#GamingIsAWorldChanger